quarta-feira, 11 de abril de 2012

A respeito de paredes e muros...

Vier Mauer
Neil Gaiman e Dave Mckean

ABERTURA

"Alguma coisa existe que não aprecia muro."
Robert Frost escreveu isso, mas também
sugeriu no mesmo poema, "Muro Remendado",
que "Boas cercas fazem bons vizinhos",
então o que podemos dizer?


A PRIMEIRA PAREDE


Tento imaginar quem construiu a primeira
parede. O que ele tinha em mente. Ou ela.
Proteção? Privacidade? Ou outra coisa.

Construímos nossas civilizações com
paredes, que nos dão abrigo e fortaleza.
Mantêm distantes "os outros": as
intempéries, os animais selvagens,
as pessoas que são diferentes. Ao nos dividirem, as paredes nos definem.

As paredes separam as pessoas;
e não só as paredes que construímos.
Talvez as mais assustadoras sejam aquelas
que somos capazes de ver, mas
em cuja existência acreditamos.

A SEGUNDA PAREDE


Eu tive um sonho a respeito disso quando
era pequeno.

No meu sonho havia uma nota, uma nota
musical, um som; e quando ela era tocada todas
as paredes começavam a ruir. E todas as pessoas
de todos os lugares podiam ver...

Podiam ver umas as outras, fazendo as coisas
que as pessoas fazem entre quatro paredes,
Ninguém tinha mais onde se esconder.

Então acordei, e nunca soube se não ter nenhuma
parede era uma coisa boa ou ruim. Não ter onde
se esconder, poder ir a qualquer lugar; sem
fingimento, sem proteção, sem segredos.

A TERCEIRA PAREDE


Disseram-me que a Grande Muralha da China é a única construção
humana na superfície da Terra que pode ser vista do espaço.

Eu nunca vi a Terra do espaço. Não conheço ninguém que tenha
feito isso.

Só vi as fotografias.

Disseram-me que, daquela distância, é muito difícil diferenciar um
país do outro. Era de esperar que eles fossem coloridos, como nos
velhos mapas da escola.

Assim todos diferenciariam.

A QUARTA PAREDE


Quando ouvir dizer que o Muro de Berlim caíra, minha primeira reação foi de
alívio; mas então eu pensei: e se existisse uma jovem que passou anos - metade de
sua vida - pintando naquele muro?

Pintando uma mensagem, ou uma imagem.

Se todas as manhãs ela se levantasse bem cedo, fosse até lá e pintasse um ou
dois traços no muro. Todos os dias, na chuva, no frio, as vezes até no escuro.
Era o seu grito contra a opressão. Seu protesto contra o muro.

Ela estava quase terminando quando o muro foi demolido.
As pessoas poderiam ir e vir livremente. O muro contra o qual ela protestava
não existia mais, assim como sua criação, desfeita em pedaços, vendida a um
colecionador particular.

Tento imaginar como ela se sentiu. Espero que não tenha ficado desapontada.

Eu teria ficado.

ENCERRAMENTO


Talvez devêssemos olhar além das paredes.

Escutem: pintores, escritores, músicos, cineastas e grafiteiros que pintam
frases que brotam como flores luminosas nas laterais de construções
abandonadas - todos vocês.

Existe uma quarta parede a ser demolida.
Governos e autoridades vivem afirmando que boas cercas fazem bons
vizinhos, e aumentam a vigilancia nas fronteiras em um esforço para nos
deixar felizes da maneira como estamos.

Mas alguma coisa existe que não aprecia o muro, e seu nome é
humanidade.
______________

Hoje é o dia dedicado a participações especiais, bem, esses dois gigantes da literatura contemporânea são especialíssimos... Espero que gostem!!!

6 comentários:

  1. Que texto, Pandora! Muito lindo e, humildemente, confesso que nunca ouvi falar dos autores. Mea culpa.
    Mas acredito que os muros sejam necessários, apenas por conta da privacidade. Os que separam por separar, segregar, esses, deviam ser proibidos.
    Beijo!

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. Amei! nos faz pensar nas paredes e muros e seus significados para nós. Sempre fui apaixonada por arqueologia e lembrando que os humanóides se abrigavam em cavernas, penso que as paredes são feitas para recriar aquela proteção quase uterina. Graças a elas o ser humano consegue viver em ambientes hostis.
    Quanto aos muros... eu me sinto no paraíso, pq aqui não preciso deles. Existem cercas, mas somente para delimitar os espaços dos animais. Me choco com muros como o de Berlim e atualmente na Faixa de Gaza... então creio que os artistas que pintavam no muro de Berlim sentiram uma imensa satisfação com a queda dele, pq destruir foi o ápice das suas obras, como castelos de areia em que a chegada da maré mostra que a vida é uma constante mudança.

    ResponderExcluir
  4. Sou fã incurável de Neil Gailman. Este texto nos faz refletir e a mim, particularmente, me faz pensar um pouco no filme The Wall do Pink Floyd.
    A alusão que foi feita com os muros, que já inicia em nossa infância com a superproteção de nossas mães. Elas são o primeiro muro (imagine eu que acabei por ter duas, tal como você, ahah), contudo, eu gosto de apreciar mansões cujos muros são altos e tem arquitetura diferente. Eu me imagino como seŕa estar do lado de dentro...
    Excelente escolha parceira!

    ResponderExcluir
  5. A primeira parede foi construída quando tudo foi criado. A epiderme, a parede que aprisiona a alma!
    Eu não viveria em um mundo sem paredes, gosto de privacidade! Imagino que a morte nos leve para esse mundo sem paredes, onde tudo se dilui e vira uma massa etérea imensa! Quem sabe "céu" seja isso?
    "... e 'se' existisse uma jovem que passou anos - metade de sua vida - pintando naquele muro? (...) Espero que não tenha ficado desapontada. Eu teria ficado"
    Ficar desapontado porque o motivo do seu protesto acabou? Por isso não entendo a raça humana! Em primeiro plano sempre a satisfação pessoal e foda-se o resto! Uma satisfação 'maquiada' em prol do bem comum... vaidades!!
    Beijus,

    ResponderExcluir
  6. Muito lindo, gostei em especial do trecho que fala sobre o muro de Berlim.

    ResponderExcluir

Para receber as postagens por e-mail:

Digite seu email aqui:

Delivered by FeedBurner