sábado, 21 de abril de 2012

TERAPIA II


"É a perda da memória, e não o culto à memória, que nos fará prisioneiros do passado". Isabel Allende





Às vezes penso que quando determinadas pessoas tratam a gente por saudosista, dizendo que “quem gosta de passado é museu”, que “lembrar do passado é sofrer dobrado”, além de outras ofensas à memória, estão exercendo um esquecimento preventivo mas com medo de não irem adiante. Uma ingênua estratégia de sobrevivência. Se não há lembrança do que passou é porque o presente não apontou ainda o vir a ser. E não vai ser a negação do passado que irá garantir um futuro melhor. “Esquecer de nós mesmos é assinar um contrato com a resignação”, disse muito bem a Martha Medeiros*. E eu acrescento que projetar o incerto sem uma referência é sofrer por antecipação.

 Pois bem, creio que encontrei um motivo de tanto saudosismo de minha parte. Há a vida vivida com intensidade. Há situações vividas que se transformam em história. Só é agraciado com o saudosismo quem criou história cuja intensidade deixou marcas. Por isso as situações são lembradas. Como exemplares. Tanto para serem revividas com saudade ou para não serem esquecidas por aprendizado. Erros se vierem a acontecer novamente, que sejam novos, eis a confirmação do nosso lado demasiado humano. Se não ficamos sem cometê-los, que não venhamos a repeti-los. Por isso é bom lembrar. Revisitar o passado de vez em quando (e não ele nos visitar) nos fortalece. Há lembranças que foram tão marcantes na nossa vida que não há com fugir delas, desprezar, esquecer. Às vezes ficam num canto escuro da mente e a qualquer estímulo, elas pulam sozinhas para fora, sem que tenhamos dado autorização. Viram falas, causos, poesias, crônicas, romances, seja falando bem ou mal. Então me lembro de tanta coisa e vou classificando aquelas que marcaram para sempre, feito nódoa que não sai com tira manchas, feito cicatriz de queimadura, feito tatuagem. O “deixar pra lá” é que nos faz vítimas. De enganos, de dominação, de uma síndrome de mal amados, vítimas de nossa própria prisão a um presente que põe a gente para andar em círculos.



* citado na crônica Tempos de Amnésia Obrigatória.

4 comentários:

  1. Eu acredito que nós somos nós e nossas memórias, há quem tenha medo de lembrar, eu tenho medo de esquecer. O passado não existe mais, isso é fato, mas havemos de preservar sua memória para conseguimos seguir tendo possibilidade de futuro!!!

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  2. Cacá, lembro-me pouquíssimo do meu passado remoto. E ando me esquecendo até dos acontecimentos mais próximos. Acho que é uma defesa, catalogo o que é importante e deixo em banho-maria o que não me importa lembrar. Falo que vivo de flashes, elmbro de momentos, não de fatos concretos.
    Voltar ao passado, em alguns momentos, é bom, podemos lembrar-nos de preciosas lições.
    Não dá pra esquecer o que fomos, mesmo que lembrar não nos faça bem.
    Beijo!

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  3. Uau se eu lembrasse das aulas de metodologia discorreria sobre memoria infinitamente nesse comentario rs.

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  4. Muito bom texto. Revisitação , resiliências para renascermos a cada obstáculos. Nossas memórias são tesouros, não para serem guardados "a quatro chaves", mas para serem usados na medida em forem necessários. O que é o homem sem memória????
    bjs

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