ARCANJO ISABELITO E O
DR. LARA
O Arcanjo como é sabido, possui uma dor lombar crônica e por isso anda,
deita, senta e levanta em proporções quase iguais. Ele é tão democrático que
distribui a sua dor para todas as posições. E ele sabe que tem umas dores que
vão além do incômodo físico. Qualquer aborrecimento, tensão ou medo ajudam a
aumentar o potencial de doimento*. E fazem até mesmo aparecerem dores onde não
consta diagnóstico de nenhum mal. É a tal de somatização.
De tanto vasculhar descobriu um doutor com a mais alta dose de
compadecimento com o seu caso. Eu não vou dizer o nome dele aqui, pois nem sei
se ele gosta de propaganda e para se conseguir uma vaga na sua agenda temos que
ligar pelo menos com seis meses de antecedência ou então ser indicado por
alguém que é paciente antigo. Falar que não suporta mais de tanta dor também
funciona. Ele fica sensibilizado e lhe atende, nem que seja 11 da noite.
Trabalhar não é problema para ele, horário também não. Ele não é da saúde pública,
infelizmente para o público e felizmente para quem pode pagar uma consulta. Se
ele me autorizar, depois eu digo, para quem quiser uma vaga no próximo ano. Vai
que essa crônica circule por aí, o homem não vai dar conta de tanto paciente
importado de outros estados, se bobear até do exterior.
Pra começo de conversa, a gente estranha ao chegar ao consultório e o
paciente que entrou demorar tanto a sair. Só fui descobrir o motivo na minha
vez. A conversa dura uma hora e a consulta propriamente, dois minutos, três, no
máximo. Ele vasculha todo o seu interior, aquele interior almático** e não o
somático. Eu perguntei logo de cara se era psicólogo além de neurologista e ele
disse que não, mas eu teimo que é. Pelo menos no jeitão atencioso, perscrutador
sem aparelho, cutucador de angústias existenciais. Esse é do tipo que o Arcanjo
mais aprecia. Tanto que volta e meia está com uma dor inadiável só para dar um
jeito de lavar um plá com o doutor.
Foi de lá que ele começou a
defender a ideia de o governo investir mais em escolas de psicologia,
psiquiatria e especializações em psicanálise para tratar das pessoas através do
SUS. Quando se entra consultório divã
do doutor, a gente, sem remédio nenhum, sai com metade dos problemas e dores
solucionados. Um chamego e umas boas explicações fazem um bem danado. Eu sempre
desconfiei que muita gente procura um médico para as dores da alma muito mais
do que físicas. No mínimo um empate técnico entre um motivo e outro. Nesses
tempos em que muitos médicos tratam das pessoas como se elas fossem uma doença
e não gente de carne, osso e alma ou espírito (não sei o nome certo dessa
entidade que faz a gente ter sentimentos)
é uma meia cura encontrar quem lhe reserve uns minutos da consulta para
dar atenção ao seu problema e à sua história de vida.
Ah, e tem mais: ele recomenda que a gente nunca leia bula de
medicamento, além da posologia e modo de usar. É deprimente, desanimador e
provavelmente feita por advogados dos laboratórios a fim de protegê-los contra
possíveis efeitos judiciais dos colaterais. Citou o exemplo de um famoso
remédio para náuseas. Na bula, segundo ele, um dos efeitos adversos que o
remédio pode causar é náusea.
* potencial de doimento é um
neologismo = potencial de dor
** almático é um neologismo = da
alma
Um bom texto que li com muito agradado.
ResponderExcluirA nossa Glorinha partiu. Uma grande perda.
Um beijinho
Irene Alves e votos de uma Feliz Páscoa,
para si e para os seus Familiares.
Cacá, esse é o verdadeiro médico, que honra o juramento de Hipócrates. Tenho 2 assim na minha vida, ir vê-los é garantia de cura antes de sair do consultório. Um é um homem, outra é uma mulher. Esse médico também me disse há anos que não lesse bula de remédio, que quem a lê são eles, e o que prescreverem, aceitemos.
ResponderExcluirMas um dia minha mãe, teimosa, leu uma bula e lá dizia algo que ela não gostou. Telefonou para o médico (não um dos que citei) e falou com ele o que ela tinha lido e que sentia isso e isso que lá falava e ele mais do que depressa suspendeu a medicação, pois era uma informação que minha mãe não tinha lhe passado, nem ele vasculhado e realmente no caso dela não poderia tomar o remédio. Então,se vê, ficamos mesmo é nas mãos de Deus! rsrsr
Mas o médico verdadeiro é mesmo o que cuida primeiro da mente, mesmo não sendo da área "psi", mas o que sabe que tudo começa mesmo é em nossa cabeça (imaginação). Bom ler você, despedi-me daqui como colaboradora, mas não vou deixar de comentar. Abaços. Boa Páscoa.
Eu gostaria tanto de encontrar um médico assim.
ResponderExcluirInfelizmente profissionais da saúde (e não me refiro a pública, esta nem se comenta) parecem treinados para não ter sensibilidade e, em alguns casos, posso afirmar que são.
Um amigo de minha mãe que cursa Medicina e era uma pessoa super espiritual antigamente, hoje diz: Depois que você disseca um cadáver, vê que tudo não passa de matéria neste mundo, nosso próprio professor explicou isto.
WTF???
Não sou somente "uma matéria", embora seja tratado como tal frequentemente.
Bom feriado.