O Peter mudou-se para a minha rua
faz uns quatro anos. Bem em frente à minha casa. Menino tímido, eu o encontrava
sempre que chagava de uma caminhada e ele estava na porta bem cedo esperando o
ônibus escolar. Trocávamos um bom dia e cada um seguia sua rotina. Ficamos um
bom tempo sem nos ver. Os horários perderam a coincidência e ele pouco sai de
casa. Dia desses passei por um mancebo
de quase um metro e oitenta na rua, que me cumprimentou com voz grave. Respondi pelas boas maneiras e fiquei
intrigado: morador novo? Acompanhei sua trajetória e o vi entrar em casa. Me assustei com o
menino. Era ele mesmo, o Peter, já um rapaz. Meu Deus!
Lembrei-me das transformações por
que passei nessa época. Assim, do nada, começaram a botar pelos por todos os
lados e cantos e interiores, a voz foi engrossando, o pé crescendo a ponto de
dividir com meu pai sapatos e roupas. Uma colega me dizia que a sombra escura
que apareceu sobre meu lábio superior era um “monogode”, tinha grande chance de
virar bigode um dia. E a libido subindo e descendo, descendo e subindo, subindo
e descendo, o dia inteiro. Até nos sonhos ela me encharcava (já não era mais
xixi na cama). As brincadeiras começaram
a perder a graça e o sonho de tornar um adulto foi me embalando naquela
adolescência que não manda avisar. Tinha que me virar sozinho; ninguém falava
nada, ninguém orientava que “daqui pra frente tudo vai ser diferente”.
Foi a hora que o mundo começou a
ficar pequeno diante da minha prepotência de “sabe tudo”. Pai, mãe e adultos
são os inimigos junto com o estado, todas as formas de governo, qualquer
mecanismo de controle do ser que irrompe para o mundo querendo que este se
curve diante de seu poder imaginário. É uma discordância generalizada, é uma
afirmação de tudo que é negado e uma negação de todas as ordens estabelecidas a
um só tempo. Nem bêbado tem mais razão que um adolescente. Qualquer
concordância que assumia era por
educação de berço. No fundo, quando não havia uma turma em volta, era até
aceitável ouvir alguém mais velho. Fora isso, o negócio era virar o mundo de
cabeça para baixo. Desde que ele não caísse do meu umbigo, o seu abrigo mais
seguro e mais correto. Apareceram vários tipos de rebeldia. Umas sem causa
outras sem argumento.
Para mim foi a fase mais maravilhosa e mais
perigosa do ponto de vista da sobrevivência. É quando os medos todos se vão e a
capacidade de heroísmos e covardias está mais aguçada. A mesma coragem capaz de
fazer entrar numa fogueira para tirar alguém se queimando é a de ser o
incendiário. Depende da formação anterior depende da influencia do meio. Não
havia soluções caseiras, nem meios termos. Adolescente radical em tudo movido por
um combustível chamado paixão. Até pelo ódio havia paixão.
Pensando bem, melhor não misturar
as coisas. Não vou falar da responsabilidade que começou muito cedo com
trabalho para garantir os estudos, da falta de tempo para levar às ultimas conseqüências a
responsabilidade que não queria assumir mas que não restou opção, não vou falar
da transição pouco amigável da infância para a adolescência e daí para a vida
adulta senão eu acabo prejudicando o que falei da adolescência que passou como
o Peter passou por mim na rua. Rápido
demais e sem muito papo.
Linda crônica, lembranças e essa época voou mesmo, rápido demais e nunca mais voltou...
ResponderExcluirabração,chica
Delícia de texto, Cacá, como sempre.
ResponderExcluirNão tenho boas lembranças da minha adolescência, em minha casa ninguém tinha vontade própria, minha mãe era uma "generala" e se passei por conflitos da idade, fiquei bem caladinha...rsrs
Lembro-me que aos 16 anos passei - muitos anos depois descobri - uma depressão das bravas, e não tinha como desabafar, quando tinha coragem de falar algo, ela dizia que "ia passar" rsrs Acho que ela pensou que fosse crise da idaade masmo. rsrs
Meus filhos também não me deram trabalho nessa época, nada de "crise existencial", de querer "cantar de galo" (agora, escrevendo isso, acho que tb agi como uma "generala" com eles... Freu explica?).
Só sei que, apesar dos percalços, é um bom tempo da vida.
Abraço!
Oi Cacá!
ResponderExcluirVoa mesmo!
É uma fase curta e intensa! pelo menos foi em nossa época, pois hoje os jovens querem torná-la vitalícia.rsss
Excelente crônica!
Abraço!