-Igreja da Candelária-centro do Rio-
Ultimamente eu ando vendo cada coisa que às vezes penso que é ficção, sei lá, tanto maluco nesse mundo de meu Deus e parece que vieram todos para esta cidade que ainda chamam de 'maravilhosa'.
Mas, deixando pra lá esses pirados que vemos por aí, com som alto ou correndo escondidos atrás de vidros escuros de bólidos turbinados, fora o descontrole urbano que por mais que tentem fazer o tal 'choque de ordem', parece não ter fim. A cada dia prende-se mais e mais traficantes e brotam o mesmo número escondidos nas favelas ou nos condomínios de luxo, sem contar os infelizes usuários de crack que crescem assustadoramente nos becos do centro, parques das cidade ou comunidades carentes. E onde você pensa que não irá encontrar camelôs, por que o comércio é chic e caro, quando você põe o pé na rua tem lá um monte deles, vendendo o que tem lá dentro do shopping por precinho bem mais ameno. Aí o pessoal se rende e acaba comprando alguma coisa ou até muita coisa se a oferta for tentadora.
Mas, diante de tudo isso, o carioca parece ser geneticamente bem humorado. Enfrenta condução cheia todos os dias, a tal sardinha em lata que é como chamamos os ônibus coletivos, o metrô de ponta a ponta da cidade que antes era o melhor meio de transporte e mais seguro, já não é mais o mesmo e o pessoal se espreme naqueles trens da zona norte ao centro, as barcas que atravessam a Baía de Guanabara vão e voltam repletas de pessoas, trabalhadores, estudantes, todo tipo de gente que se locomove nesta cidade que mais parece um formigueiro urbano. Quem pensa que carioca só vive em praias está muito enganado. Carioca sofre como todo cidadão brasileiro que precisa trabalhar e ganhar o pão de cada dia.
O carioca mesmo parecendo aceitativo, subserviente, antes de tudo é um questionador e tem lá um certo jeito de rebeldia, extraindo graça até na desgraça. É só ficar parado alguns minutos em algum lugar do centro do Rio que poderá assistir isto que lhes falo, tem sempre um doido varrido fazendo propaganda de algum produto em alta voz, como é agora a venda de linhas celulares na cidade. Aos brados, tanto homens como mulheres, gritam as promoções da Vivo, da Claro, da Tim, do diabo a quatro. E o que mais impressiona é que tem gente que para pára comprar ou perguntar alguma coisa a um desses ambulantes de linha telefônica.
Que troço mais louco, gente! Não adianta choque de ordem, por que no dia seguinte a coisa parece que cresce mais ainda, toma proporções de rebeldia e radicalização.
Aliás, radicalizar pode se transformar numa explosão muito mal humorada dessas pessoas. Noutro dia, aqui mesmo no bairro onde moro que tem camelôs em profusão diante das lojas mais caras de uma rua badalada da cidade, houve um corre corre por que naquele dia, os tais policiais que eles chamam de 'rapa' chegaram em grupo e de cassetete pro alto, como se os pobres coitados fossem bandidos, embora a mídia já tenha alardeado que por trás desses ambulantes, tem sempre um vendedor de drogas ou assaltantes, mas na verdade a gente fica com pena dessas pessoas que não têm qualificação pra nada e têm que sobreviver, então se estão trabalhando não dá pra se assistir atos de violência sobre os mesmos sem ficar indignado.
Essas figuras existem no cenário carioca não é de hoje, já vem de muitas décadas e, pelo jeito, se alastraram por todas as grandes cidades do país. Vendiam balas e doces e com o tempo foram ampliando a oferta.
Mas, hoje, eles acabam tumultuando as calçadas, e a Prefeitura, na tentativa de pôr ordem na bagunça, criou um tal de camelódromo, porém eles não ficaram só ali dentro e voltaram a se esparramar pelas ruas.
E lá estavam naquela tarde, reunidos de um lado da rua, homens e mulheres camelôs com suas mercadorias escondidas para o tal rapa não pegar, uniram-se em brados, gritando slogans do tipo "queremos trabalhar, queremos trabalhar". Do outro lado da rua, um grupinho de guardas municipais, riam entre si e não arredavam pé dali. Parecia cena de filme ou novela da Globo, mas eu passei rapidinho por que senti que poderiam acirrar os ânimos e começar um quebra pau violento.
Quando eu voltei, todos sumiram como por encanto, ouvi dizer que não houve pancadaria e alguns deles perderam suas mercadorias, somente. E naquele resto de tarde tudo ficou arrumadinho, dava pra ver as lindas vitrines das lojas e a rua parecia mais larga, gostosa de se passear, sem o apertamento diário de sempre.
Eu pensei com meus botões; bem, acho que agora a cidade vai ficar bonita e organizada e quem sabe deram um jeito de arrumar empregos para todos aqueles camelôs coitados. Que bom!
A utopia não durou muito, depois de dois dias lá estavam eles de volta com suas traquitanas, desde óculos com strass, cachecóis para um inverno tão sonhado por cariocas, anéis, badulaques pra cabelo, soutiens sem alça importados, meias finas coloridas, cintos artesanais, bolsas e relógios, um sem número de baboseiras que a gente poderia passar sem, mas não sei por que cargas d'água a gente sempre pára pra comprar alguma coisinha daquelas.
E lá na esquina, a Guarda Municipal tranquilamente passeava pra lá e pra cá, olhando-os de longe e nem parecia que dois dias antes estavam prestes a entrar em combate corporal. Sinceramente, não sei o que acontece nesta cidade maluca, mas um dia o bicho pega e no outro tudo pode se fazer.
E o que mais me impressiona é que com tudo isso, os cariocas adoram a cidade, os turistas também e os gringos que adotaram-na como cidade natal, não querem ir embora nunca. E neste caos e mix urbano, onde as classes sociais se envolvem e convivem como em lugar nenhum do mundo, foi vendido há duas semanas um apartamento por 50 milhões de dólares no bairro do Leblon e os imóveis, tanto de um lado quanto do outro da cidade, são caríssimos e valorizados a cada dia, um fato completamente sem explicação, ou será que tem e eu é que não sei?
Será que este visual é mesmo hipnotizante?!
Cuidado, não olhe muito, vai que ...!
"Que excelente crônica!"
ResponderExcluirUm maravilha de leitura me proporcionou.
Todas as nossas cidades brasileiras sofrem com estas mazelas citadas; no entanto, poucas desfrutam das "glórias", também, citadas.
Abração; adorei.
Oi Beth!
ResponderExcluirTexto sensacional!
Embora tosdos estes fatores sócio-econômicos citados não seja "privilégio" do Rio, aí certamente o contraste é bem forte diante de uma imagem linda como esta que você postou. Para mim é hipnotizante mesmo.
Beijão e uma linda semana!
Excelente texto.
ResponderExcluirAbraço.
Oi Beth,
ResponderExcluirIsso é uma característica de todas as cidades, principalmente as grandes metropoles. Aqui não é diferente.
Aqui houve uma ocasião que tiraram os vendedores ambulantes da rua e os colocarma em uma praça lá no centro da cidade, mas isso durou pouco (coitados, precisam trabalhar). Trabalho em uma empresa de grande porte e no dia do pagamento há umaconcentração tão grande de ambulantes na porta, lá eles vendem de tudo, e pior é ver a pancadaria quando o "rapa" chega.
Beijo Beth
Beth, um texto lindo, forte, decidido, muito bem contado. Você se supera a cada dia!
ResponderExcluirE esta é mesmo a realidade de todas as metrópoles. Gente sem oportunidade de estudo que sai em busca do seu dinheiro honesto,mas por meios ilegais, o que nunca é bom. Eles querendo viver sua vida, a polícia cumprindo seu papel, as autoridades fazendo que não veem e a vida segue...
Beijos!
Lindíssimo texto!
ResponderExcluirBeijinho.
Sim Beth, o cenário é hipnotizante! E é por isso que tudo se ajeita e tudo se engole e tudo desce entre um chope e outro. Aqui na Tijuca, na Praça Saens Pena também acontece isso que descreveste. Um dia o pau quebra e no outro você não consegue andar nas calçadas. às vezes fica dificil entrar na C&A. Mas isso acontece em outras cidades que não têm este visual que mostras na imagem. Aí o prejuíso é duplo.
ResponderExcluirChoque de Ordem? Só se o Prefeito meter o dedo na tomada!
Bom dia Beth! Lindo dia...de novo.
Isso é a vida querida!!! É a cidade, o encontro entre os que tem muito e os que nada tem sempre é assim, um misto de caos e harmônia!
ResponderExcluirEXCLUSÃO
ResponderExcluirSinto DÓ dos moradores de rua;
É a RÉ nos índices da igualdade,
Vergonha humana, e você na sua.
MÍ mostre seu moço o gosto do fel;
FÁca na pele e o sangue no olho,
Brilho do SOL nas praias do Rio.
Belezas à mostra de um país tropical;
E LÁ não existe mais, o que era família.
Esquece da fome que corta em serrilha;
SÍ fosse você sem dor e sem frio?
Essa música que toca na barriga vazia;
Este pouco que resta da minha euforia,
A sinfônica sem arranjo...essa desarmonia.
Em meio às estrelas, só eu e a lua;
A calçada que ferve e queima o meu corpo,
O vento que bate, e a chuva é tão fria, e a cama ao relento sem o amor de Maria.
Farrapos na noite me cobre sem vestes;
Me igualo a esse irmão rezando uma prece.
No meio do povo sem teto e sem nome;
Espero a resposta que a fúria consome,
Essa vida de cão esse triste prazer.
Não olha e passa, sou mais um nas praças;
Sem quê e sem pra quê, sem ter codinome,
Se esquece de mim; mas não me abandone.
Clodair Eduão (KOLÓ FARIAS)
Koló, perfeitas suas palavras, amei seu poema... Uma inspiração!!!
ResponderExcluirme senti na Uruguaiana. O aumento de preço do apartamento com certeza é por causa da crise imobiliaria. Os gringos que gostam daqui devem morar na zona sul né? rsss pq se morassem em qq outro lugar amaldiçoariam o trânsito.Até que curto o centro da cidade, é o lugar onde as oportunidades estão. É onde vc tem diversão grátis e vários polos culturais.
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