domingo, 12 de junho de 2011

MOBRAL

Até pouco tempo era comum, numa atitude para desmerecer alguém por dificuldade de entendimento de palavras expressões ou compreensão de algum fato, chamar as pessoas de Mobral. O Brasil, numa época em que estava à espera de um milagre econômico criou o Movimento Brasileiro de Alfabetização para fazer as pessoas funcionarem melhor. O país estava de vento em popa na economia sob um governo militar. As coisas iam funcionando bem e as pessoas não. A taxa de analfabetismo era de quase metade da população. O Mobral destinava-se a fazer com que todos pudessem ler e escrever, fazer contas e assinar o nome. Principalmente assinar o nome e fazer contas de mais, menos, dividir e multiplicar, como acabou acontecendo. Gente que não tinha tido oportunidade de freqüentar a escola no tempo certo, tinha a chance de freqüentar grátis, as aulas que eram ministradas em salões de igrejas, clubes recreativos e outros espaços cedidos na marra para esse fim. O ufanismo que tomou conta do país não era espontâneo. Foi estimulado para dar credibilidade a um governo que não havia sido escolhido pela população e mesmo com a força das armas queria alguma legitimidade. Se desse certo poderia se perpetuar no poder. Conseguiu, a trancos e barrancos sobreviver por mais de vinte anos.

Uma de minhas irmãs chegou a ser professora do Mobral. Tinha apenas dezesseis anos e já era professora de gente de trinta, quarenta e mais anos. Havia no programa uma proposta embutida de controle de natalidade para pobres e iletrados. A população ignorante estava crescendo muito e isso não era aceitável. O mal da desigualdade tinha que ser cortado pela raiz. Distribuíam para as freqüentadoras um leite em pó contendo um remedinho que emperrava a fertilidade das mulheres. Minha irmã tinha o hábito de tomar do leite no salão da igreja onde dava aulas e isso lhe custou anos mais tarde um tratamento de mais de cinco anos para conseguir engravidar.

O orgulho de ser brasileiro era vendido em slogans, propaganda maciça, música e muita bordoada para os descontentes. Os maiores ídolos desse ufanismo chamavam-se Dom e Ravel, uma dupla que cantava os valores e possibilidades do povo brasileiro. Alguns defensores dizem que eles eram assim mesmo e que suas músicas foram usadas pela ditadura. Outros, que eles estavam a serviço do sistema. Mas ficou a obra e a gente aprendia e cantava na escola, na rua e ouvia no rádio e TV, todos os dias. Para o Mobral, compuseram uma canção comovente (clique no link abaixo para ouvir) que empurrou centenas de milhares de pessoas para as salas de aula na esperança de serem agraciadas pelo milagre econômico depois de aprenderem que dois e dois são quatro e fazerem as garatujas de seus nomes.

5 comentários:

  1. As vezes tenho a impressão que o conhecimento deprime, me deprime muito quando em minhas caminhadas histórias dou de cara com coisas como o MOBRAl... Aqui em Recife o Mobral substituiu o MCP (Movimento de Cultura Popular) que tinha um vies maxista e a ideia de valorizar a cultura popular, construir um futuro mais igual onde a musica erudita o maracatu tivessem o mesmo valor cultural... Claro que a ditadura varreu do mapa esse projeto como uma onda destroi os castelo que crianças constroem na areia...

    Enfim... também não adianta esquecer o passado e fingir que nunca existiu, é sempre bom refletir sobre ele na certeza que só através da reflexão sobre o que não prestou é que podemos contruir algo bom!!!

    Ótimo texto Cacá, uma capitulo de nossa história!

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  2. Nossa, como eu me lembro disso tudo, dessa época conturbada e de tanta coisa escondida para nós!
    Mas, sabe, acho que isso ainda perdura em nosso meio político e social, só que com uma outra forma de propaganda, pois as coisas parecem funcionar bem e as pessoas continuam a não ser felizes, parecendo também que tudo funciona maravilhosamente.
    Basta a gente sair um pouquinho do país, dar um pulinho aqui mesmo na América do Sul, no Chile, e ver com os próprios olhos o que um povo educado e consciente pode fazer depois de uma ditadura.
    O que dá mais raiva é que nosso país tem muito mais riqueza natural para ser o melhor de todos, pelo menos aqui na América do Sul.
    Meus respeitos à sua irmã que fez muito pelo Brasil e nosso povo.
    beijinhos cariocas

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  3. O pior é que as coisas escondidas continuam acontecendo, de maneira mais descaradas, por mais que isso pareça paradoxal. Dou aulas para EJA - Educação de Jovens e Adultos. No primeiro dia de aula, já digo: "Vocês não estão no primeiro ano. Isso é uma mentira." Assim, me sinto menos culpado. Aquelas vítimas do Mobral caíram nessa nova rede de progressão automática, depois de uma aceleração mentirosa, soldada pela história vergonhosa da Educação Brasileira. Somos um país atrasado culturalmente. Isso apenas dá destaque para aqueles que sabem o balanço, a ginga, o jeitinho brasileiro de ganhar a vida. Junta-se, aqui, o sonho americano com o jeitinho malandro de cada um desses que se dizem cidadãos e cobram direitos sem cumprirem o dever. Todos sabemos de um ato desonesto de quem está por perto, seja o dono do mercadinho da esquina, seja na tentativa de conseguir uma vaga adiantadamente no médico. O que não temos é a decência de quebrar o pacto de mediocridade. Passei no concurso para professor. Recebo o salário para cumprir tarefas de casa e de sala. Eu faço. Mas se eu não fizer... nada acontece se eu não fizer não fazendo da maneira "correta". Eles fingem que estão tendo direito universal à educação, eu finjo que estou ganhando bem. Um dia, alguém entra com uma arma e mata a galerinha que tirava onda e "bullya" com ele, ou mesmo pega o pendrive que eu ia usar para dar minha aula medíocre. Para ele(?), valia uma pedra de crack. O Brasil é craque nisso. Prendemos os bombeiros - o Brasil é fogo! Parabéns, Cacá, por relembrar algo tão ainda contemporâneo! Meu pai também foi professor do Mobral. Valeu, Mobrald!

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  4. Cacá, no meio do caminho, foi uma boa coisa. Também dei aulas (estágio) para alunos adultos (em escola regular, não Mobral) e conheço bem a sede que têm de aprender. Ninguém enfrenta uma aula à noite para brincar. Quer mesmo aprender.
    Embora o movimento tivesse a mão da ditadura, serviu para alavancar o entendimento popular para entender a importância do aprendizado.
    Essa música do Dom e Ravel parece mesmo um hino daquela época.
    "Eu sou brasileiro, anseio um lugar..."
    "Você também é responsável..."
    Não tenho saudade do medo que sentíamos naquele tempo.
    E tudo terminou na mesma questão dos dias de hoje: o programa se tornou inviável por ser caro demais. Ou superfaturado?
    Pena que o analfabetismo ainda nos ronde...
    Abraços e boa semana!

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  5. Caca, trabalhei no Mobral em fevereiro de 1980 a dez/1990 ai o Fernando Henrique esculhambou o funcionario publico que era maraja, vagabundo.Acabaram com o MObral e mudou o nome para Fubdacao Educar,lembras.
    Pois e, entao naquela epoca, fui redistribuida para o Ministerio da Justica/PF/AM. e nada mudou.
    abracos.

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